Os miseráveis, por Victor Hugo - Livro 2
A força da misericórdia
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A força da misericórdia
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Estou lendo Os Miseráveis, é um livro longo, organizado em vários livros: uma verdadeira Bíblia! Não espero escrever algo para cada livro ma somente quando eu achar que faça sentido. Se interessar, leia minhas impressões sobre o primeiro livro.
Aqui, nos é contada a trágica história de Jean Valjean. Uma pessoa pobre, a quem a vida foi dura desde pequeno. Seus pais morreram quando ele ainda era criança, e passou a ser cuidado por sua irmã mais velha. Mais tarde, foi ele quem passou a cuidar da irmã e dos filhos dela: sete crianças para alimentar.
Um dia, num ato de desespero, roubou um pão para alimentar as crianças. Foi pego e condenado a cinco anos de prisão. A essa pena somaram-se mais catorze, por tentativas de fuga. Após dezenove anos de prisão, Jean finalmente é libertado.
"Liberdade não é estar solto. Pode-se sair da prisão, mas não da condenação."
Jean Valjean agora carrega uma marca invisível que grita mais alto que qualquer explicação: "ex-condenado". Mesmo com dinheiro, é rejeitado em pousadas e estalagens. Ninguém quer dar abrigo. Ninguém quer dar trabalho. Ninguém quer sequer olhar para ele.
Há uma cena especialmente simbólica: Jean tenta se abrigar na casa de um cão. O cachorro o expulsa. Ele pensa: “é como se o cão fosse o homem e eu, o animal”. A metáfora não poderia ser mais cruel e real.
Finalmente, Jean encontra abrigo e comida na casa do Bispo Bienvenu, algo inédito para ele desde a prisão. O bispo lhe oferece comida, um quarto para dormir, e até o chama de "senhor", para espanto e estranhamento de Valjean.
Em certo ponto, Victor Hugo dedica um capítulo inteiro para descrever um náufrago. Ele nos coloca em sua pele: alguém que caiu do navio, grita à vela, sem chão, lutando contra as ondas, sozinho. Enquanto isso, o navio segue seu curso, sem perceber o homem que se afoga. Antes, ele fazia parte da tripulação: sorria, conversava, vivia. Agora, é um náufrago à deriva. Essa alegoria, que interrompe momentaneamente a narrativa de Jean, parece ter o propósito de descrever a solidão absoluta de quem foi lançado às margens da sociedade. O desespero daquele que é ignorado por todos. É o reflexo exato do abismo moral e social em que Jean Valjean se encontra ao deixar o presídio.
Para mim, essa cena é o tema central de todo o segundo livro: a máquina implacável da lei, representada ali pela disciplina do navio, que não para para salvar o infrator. Em contraste, surge a necessidade de um gesto extraordinário: a misericórdia, para resgatar uma alma em desespero.
Le Radeau de la Méduse de Théodore Géricault, retrata sobreviventes reais do naufrágio da fragata Méduse, abandonados em uma jangada. Tem como tema o sofrimento humano, abandono pelo Estado, esperança quase extinta.
Num ato de revolta e rancor, Valjean rouba os talheres de prata do bispo que, como vimos no livro anterior, eram o único luxo que o bispo ainda se permitia. Algum tempo depois, Valjean é capturado pela polícia que o leva de volta. E então...
“Lembre-se de que me prometeu tornar-se um homem de bem. Acabo de comprar-lhe a alma. Furto-a ao espírito de perdição para entregá-la a Deus!”
O bispo mente para salvá-lo. Diz que a prata foi um presente e ainda entrega mais dois castiçais. O bispo diz a Valjean que usou a prata para comprar sua alma e que agora ele deve viver como um homem honesto. Eis o gesto extraordinário de misericórdia.
Essa cena transforma Jean profundamente. Ele enfrenta um dilema interno e, após um ato impulsivo (rouba uma moeda de um menino e sente-se miserável por isso), decide de fato se transformar.
Esse segundo livro foi curto em comparação ao anterior, mas nem por isso menos poderoso. Todos os comentários que li antes de começar Os Miseráveis poderiam ser resumidos em: “Essa gente não para nunca de sofrer?” E isso é só o início.Até aqui, entendo que Victor Hugo não propõe vitimizar o bandido, nem transferir a culpa para a sociedade, o governo ou qualquer outra coisa.
Jean é responsável por suas escolhas, assim como a miséria extrema também pode levar pessoas a cometerem crimes de sobrevivência. De outra forma, a sociedade tem um papel direto em moldar os monstros que depois ela condena. Victor Hugo levanta reflexões importantes sobre a exclusão social e a indiferença diante do sofrimento individual.
Num mundo que julga para sempre um homem por seus erros, sem nunca perdoar de verdade, é possível uma regeneração real? Aqui, me parece que a resposta seja: mais do que punição e desprezo, é o poder da compaixão e da misericórdia que pode transformar um homem e, então, conduzi-lo à redenção.
Este texto é orgânico,
criado de forma natural por um humano.
Pode ter passado por correções gramaticais,
com ou sem o auxílio de IA,
mas a essência original permanece intacta.
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